S11D fará de Canaã o maior arrecadador de ICMS do Pará e de Royalties do país

Quando, no segundo semestre de 2016, o maior investimento da história da indústria extrativa mineral do planeta estiver pronto para entrar em operação no município de Canaã dos Carajás, a pacata sede urbana deverá conviver com uma balbúrdia de cidade grande. Ou quase isso, sem exageros.

Parauapebas, sua vizinha e mãe, provavelmente terá de se contentar em ser apenas curva de passagem de milhares de trabalhadores migrantes e das riquezas minerais que vão emanar, sem parar, da “Terra Prometida”, que nasceu predestinada a tornar-se gigante.

O trem, sobre os novíssimos trilhos do Ramal Ferroviário do Sudeste do Pará (RFSP), vai apitar dentro de Parauapebas anunciando que a riqueza maior não mais será a de suas terras. Ela vem de outros nortes, que não mais a Serra Norte, onde ainda estarão concentradas – a mais de meio caminho do fim – as três minas de ferro e uma de manganês.

No raiar de 2017, será oficialmente anunciado que Parauapebas perderá o posto de estrela da produção de ferro no Brasil, a commodity mineral mais valiosa no globo. O município de Canaã dos Carajás lhe tomará o bastão, não pela quantidade produzida, mas pela rentabilidade do projeto que a mineradora Vale está erguendo e investindo por lá. É o S11D em ação.

Essas e outras informações estão no Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do engenheiro de minas Rafael Costa Cuentro, que, quando ainda estudante da Universidade Federal do Pará (UFPA), produziu a pesquisa Canaã dos Carajás (PA): A ‘Terra Prometida’ dos Royalties e dos Grandes Projetos de Mineração, por meio da qual faz, em 92 páginas, diagnóstico completo sobre a reviravolta no mapa da extração de ferro no sudeste do Pará e sobre os tesouros escondidos em Canaã dos Carajás, que num futuro não muito distante – até 2030 – deve ultrapassar Parauapebas arrecadação de royalties e de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

COLETA DE DADOS

Para fazer a pesquisa, foram ajuntados dados de órgãos oficiais como Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), entre outros. Também foram consultados documentos e relatórios técnicos de empresas como a Vale e as consultorias Golder Associates, que produziu o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do projeto S11D, e Arcadis Tetraplan, que elaborou o EIA do Ramal Ferroviário Sudeste do Pará (RFSP).

EM 9 ANOS

A história da arrecadação de royalties de mineração por parte de Canaã dos Carajás começa em 2004, quando tem início o projeto Sossego, de extração de cobre em concentrado, revela Rafael Cuentro. Canaã, pedaço de terra parido por Parauapebas em 1994, ganhou o projeto dez anos depois e, daí por diante, não parou mais de crescer economicamente.

Com vistas a preparar a sede urbana para os impactos que certamente haveria de experimentar em razão da implantação da indústria extrativa, a Vale tratou de dotá-la de infraestrutura básica (água encanada, esgotamento sanitário, asfaltamento de ruas), mas tudo ficou pequeno diante do crescimento demográfico pelo qual a cidade passou.

O motivo é simples de compreender. Parte da migração que já era certa para Parauapebas acabou se esticando 72 quilômetros até a “Terra Prometida” à procura de emprego no primeiro projeto de cobre da mineradora Vale no Pará e no Brasil.

A saber, o projeto Sossego terá movimentado entre 2004, quando iniciou suas atividades, e o final deste ano, um total de R$ 13,25 bilhões em operações extrativas de cobre. Desse montante, R$ 258,73 milhões implicam recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração Mineral. Depois de feita a devida distribuição (União, Estado e Município), a cota-parte da CFEM que terá abastecido a conta-corrente da Prefeitura Municipal de Canaã dos Carajás (PMCC) ao longo destes anos fica em torno de R$ 198,62 milhões. É uma quantia suficiente para ter feito da sede urbana a cidade mais limpa, saneada, ecológica, desenvolvida e desigual de todo o Brasil.

ADMINISTRAÇÕES

O que foi feito com a cota-parte dos royalties de mineração do cobre que entraram na conta-corrente da Prefeitura de Canaã dos Carajás? Essa é uma pergunta cuja resposta é difícil de encontrar, mas que no TCC de Rafael Cuentro são dados indicativos de em que mãos o montante foi parar.

No ano em que o projeto Sossego começou a operar no município, o prefeito era o pecuarista Anuar Alves da Silva, que ficou à frente do executivo municipal por dois mandatos consecutivos (1997-2000 e 2001-2004). Silva ainda viu R$ 4,96 milhões em royalties no caixa da PMCC nessa temporada.

Em seguida, o empresário Joseilton do Nascimento Oliveira, o “Ribita”, assumiu o poder e, no período em que passou pela prefeitura, viu na conta-corrente R$ 56,34 milhões em CFEM. Foi o segundo maior volume de recursos nas mãos de um prefeito na curta história político-administrativa municipal.

Mas nenhum administrador, até o momento, recebeu tantos royalties de mineração em quatro anos quanto Anuar, em “o retorno” a um dos cargos mais cobiçados do Pará, para comandar Canaã entre 2009 e 2012. Nesse período, o cofre da prefeitura recebeu em royalties de mineração R$ 78,28 milhões. A única prefeitura paraense que recebeu mais no período foi a de Parauapebas.

Tão mágico quanto a avalanche de dinheiro com que a conta bancária da prefeitura de Canaã dos Carajás foi agraciada é sumiço que tomou todo esse montante desde 2004, tendo em vista o fato de que o município é pouco populoso e os totais, na prática, não foram refletidos à realidade socioeconômica local.

Essa questão, entretanto, dá margem a outros estudos, de outras naturezas, como na área contábil ou jurídica, para tentar localizar onde foram aplicados os recursos da CFEM, uma vez que não há instrumentos de fiscalização legais para detalhar os caminhos percorridos pela Compensação Financeira pela Exploração Mineral na conta das prefeituras.

O comerciante Jeová Andrade, eleito prefeito de Canaã dos Carajás em 2012 e que assumiu o cargo em 1º de janeiro deste ano, verá até o último dia de dezembro próximo na conta bancária do executivo municipal ao menos R$ 29,34 milhões. Os dados foram levantados por Cuentro junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM).

TEMPOS ÁUREOS

O S11D, o grande xodó da mineradora Vale no momento, está em fase de implantação no município de Canaã dos Carajás. No início da década de 1990, quando políticos de Parauapebas decidiram assinar embaixo a emancipação daquela parte “esquecida” do território, jamais imaginaram que estaria em Canaã a maior fonte “viva” de minério de ferro. Mas a Vale, que desde 1967 vasculha o chão paraense, já sabia.

Em 2004, a mineradora previu retirar 17 milhões de toneladas anuais de minério de ferro de Canaã dos Carajás, mas, antes de levar a ideia adiante, resolveu fazer mais alguns estudos de viabilidade econômica. Em 2008, a Vale refez todos os seus planos e tratou de anunciar ao mundo dos negócios a superdescoberta: um “novo” Carajás.

A empresa, então, acelerou os estudos de impacto ambiental e fez todos os licenciamentos para não perder tempo. Das suposições iniciais de 17 milhões, a mineradora poderá extrair por ano nada menos que 90 milhões de toneladas do melhor minério de ferro do globo, com teor de 67% de hematita pura.

Atualmente, o projeto S11D é uma força-tarefa e para o qual a mineradora está gastando cerca de R$ 40 bilhões. Nessa pilha de dinheiro, estão inclusas a mina e a usina de beneficiamento do minério, bem como a construção do Ramal Ferroviário Sudeste do Pará (RFSP) para dar suporte logístico ao empreendimento. O projeto se chama S11D porque o minério está na Serra Sul (S), num corpo mineral numerado pelos geólogos de 11, cujo bloco a ser lavrado é o D. Existem ainda os blocos de minério C, B e A, nos quais a Vale, por enquanto, não quer mexer.

Quando toda essa engenharia de minas estiver em operação, a Vale vai acelerar para pagar o investimento bilionário. No cronograma da empresa, S11D começa a operar no segundo semestre de 2016. Entretanto, só deverá mandar trem e navio afora os primeiros 90 milhões de toneladas no ano-útil de 2017. Para se ter ideia do gigantismo dessa empreitada, basta ter a clareza de que o Projeto Ferro Carajás (PFC), localizado em Parauapebas, demorou 23 anos para produzir 90 milhões de toneladas em 365 dias (foi em 2007, quando as então cinco minas da Serra Norte renderam 91,7 milhões de toneladas).

Se tudo correr bem no mercado de commodities, em dois anos e meio a mineradora deverá quitar os cerca de R$ 40 bilhões que arranjou para investir em seu bibelô no sudeste paraense. Depois disso, só sucesso: a Vale enricará – ainda mais – como nunca, tornando-se, fatalmente, a maior empresa de mineração do globo.

MAS E CANAÃ?

Apesar de Canaã dos Carajás (o maior interessado e o único a parir minérios) estar longe de lucrar com a venda do ferro tal como a Vale lucrará, ainda lhe restará um sobejo até interessante, do ponto de vista econômico. É que a arrecadação de royalties do município crescerá 728% no raiar de 2017, muito disso amparado pela expectativa de que as alíquotas incidentes sobre as substâncias minerais dobrem com eventuais mudanças no Código de Mineração.

Se a taxa da CFEM sobre o cobre, que hoje paga 2%, passar a 4%, e o mesmo acontecer com o minério de ferro, a Prefeitura de Canaã dos Carajás ultrapassará nos próximos dez anos a de Parauapebas como a maior arrecadadora de royalties de mineração do Estado e do Brasil. Os efeitos avassaladores dessa mudança já devem começar a ser sentidos em 2017, já que a previsão é de que a arrecadação mensal salte dos atuais R$ 2,58 milhões (apenas com o cobre do Sossego) para R$ 47,02 milhões (com o cobre do Sossego e o minério de ferro do S11D).

É um salto previsto que nem mesmo a arrecadação de Parauapebas, o maior produtor de minérios no momento, acompanhará ao crescer 237%. A partir de 2023, a receita deste município começará a entrar em declínio com a exaustão programada de suas minas na Serra dos Carajás.

Em Canaã, hoje, as palavras de ordem são dinheiro e futuro. Inclusive, a arrecadação de Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) prevista para 2013 é de R$ 49,6 milhões. É muito mais que o programado para Castanhal (R$ 35,8 milhões), cuja população é seis vezes maior; ou para Santarém (R$ 40 milhões), que possui nove vezes mais habitantes.

No frigir dos ovos, apesar de o recolhimento da CFEM ser pífio diante das riquezas totais geradas pela extração de minérios, a Prefeitura de Canaã dos Carajás será a que mais rapidamente verá sua arrecadação multiplicar em tão curto período de tempo. A menos que seja descoberta uma superjazida mais produtiva e rentável que o minério da Serra Sul, em Canaã, o que se mostra impensável no momento, em lugar algum do Brasil haverá indício de pujança tão incrível quanto igualável à “Terra Prometida”.

Reportagem: André Santos

Fonte: Xinguara Ativa